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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Família de jornalista morto na ditadura quer condenação de militar acusado de tortura

Nesta semana, familiares de mortos e desaparecidos da ditadura militar tentarão, mais uma vez, responsabilizar oficiais das Forças Armadas por crimes cometidos pelo regime que governou o país entre 1964 e 1985.

Nesta quarta-feira (27), em São Paulo, a Justiça vai ouvir testemunhas que falarão sobre a morte do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, ocorrida em julho de 1971 nos porões do Doi-Codi, o Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna, onde opositores da ditadura eram mantidos presos.

O alvo da ação, de caráter cível (sem efeito penal), é o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi entre 1970 e 1974. Em 2008, o militar foi declarado torturador pela Justiça em uma ação movida pela família Teles, também vítima da ditadura.

Agora, os parentes de Merlino buscarão, na Justiça, responsabilizar diretamente o militar pelo assassinato do jornalista, que foi preso após retornar de um exílio na França e, segundo relatos, foi cruelmente torturado até falecer em decorrência dos ferimentos causados pelas agressões que sofreu.

As autoras da ação são Angela Maria Mendes de Almeida, companheira de Merlino à época de sua morte, e Regina Maria Merlino Dias de Almeida, irmã do jornalista. Entre as testemunhas chamadas pela família, estão o ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos Paulo Vannuchi e ex-militantes do POC (Partido Operário Comunista), organização na qual Merlino militava.

Angela e Regina pedem à Justiça que o coronel seja condenado a pagar indenização por danos morais. As duas dizem ter sofrido “graves danos psicológicos e morais” em decorrência da morte do jornalista, ocorrida na capital paulista.

Na ação, ambas afirmam que seu interesse não é financeiro, mas puramente moral, para que seja reconhecido “seu direito sagrado à verdade”. O objetivo, diz o texto da petição, “é o reconhecimento pelo Judiciário brasileiro do dano moral que sofreram, em decorrência dos atos de tortura comandados pelo réu, e sua consequente condenação por esses atos”.

Para fundamentar seu pedido, a família de Merlino relata uma série de constrangimentos e perseguições perpetrados por agentes da ditadura mesmo após a morte do jornalista.

O advogado de defesa de Ustra, Paulo Esteves, diz que seu cliente nega todas as acusações.

- Ele fala que jamais participou de qualquer tipo de violência contra pessoas. Não só o Merlino, mas qualquer outra pessoa. Ele foi comandante de um setor em que, se aconteceu alguma coisa, isso foi objeto de procedimentos julgados pela Justiça de então. As violências praticadas foram objeto de processos, e as pessoas responsáveis foram condenadas.

Esteves ressalta, além disso, que Ustra não deve responder diretamente pelo que ocorreu no Doi-Codi, uma vez que o órgão estava “subordinado a uma cadeia de comando”.

- Ele não teria que estar como figura principal no pólo passivo. Essas ações deveriam ter sido dirigidas aos superiores hierárquicos dele na ocasião, como foi feito em outros países, que inclusive chegaram a levar para a cadeia alguns presidentes.

A nova acusação contra Ustra deve retomar um debate que permeia questões relacionadas aos crimes do regime militar: a validade da Lei da Anistia.

Assinada em 1969 pelo presidente João Batista Figueiredo, que era militar, a medida perdoou tanto servidores públicos quanto opositores do regime por crimes políticos.

A polêmica se dá, porém, quanto ao alcance da medida. De um lado, organizações de defesa dos direitos humanos questionam o perdão ao que consideram serem “crimes contra a humanidade”. Do outro, há o argumento de que a Lei da Anistia serviu para pacificar o país e beneficiou tanto os militares quanto a resistência ao governo de então.

No ano passado, ao julgar uma ação da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, por sete votos a dois, não revisar a lei. A defesa de Ustra se ampara também nesta interpretação, como explica seu advogado.

- De acordo com a interpretação adotada em julgamento, o plenário do Supremo decidiu por maioria, com eficácia vinculante, que a anistia concedida é ampla, geral e irrestrita.

O advogado Belisário dos Santos Jr., que defendeu presos políticos e integra a Comissão Internacional de Juristas, recorda, porém, que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em sua sentença sobre o caso da Guerrilha do Araguaia, divulgada no fim do ano passado, condena o Estado brasileiro e diz que a Lei da Anistia não pode figurar como um “obstáculo” que atrapalhe ou impeça as investigações de crimes da ditadura.

- Principalmente no caso Gomes Lund (Guerrilha do Araguaia), a Corte afirmou expressamente que os perpetradores de violações [dos direitos humanos] deveriam ser julgados. Com a decisão, foi afastada a questão da anistia.

Para o especialista, a ação referente ao caso Merlino “terá de ser julgada sem o abrigo da decisão do STF”.

- A tortura, o desaparecimento, o sequestro, a prisão sem motivo e a execução extrajudicial cometidos na escala sistemática, como ocorreu, não podem ficar impunes. De outra parte, haverá quem argumente que já passou tanto tempo, que já houve reconhecimento publico da responsabilidade do Estado.

Prisão e tortura

Merlino foi detido por agentes do Doi-Codi em 15 de julho de 1971, apenas alguns dias depois de voltar da França, onde vivia exilado com Angela. Ele estava na casa de sua mãe, em Santos.

Após quatro dias sem notícias sobre seu paradeiro, soube-se de sua morte por intermédio de um cunhado de Merlino, que era delegado de polícia. O corpo foi localizado no IML (Instituto Médico Legal) e apresentava sinais de tortura.

A versão oficial para a morte do jornalista, contestada pela família, indica que ele foi atropelado por um veículo não identificado. De acordo com o relato, Merlino aproveitou um descuido de agentes que o escoltavam na rodovia BR-116 para se lançar diante do veículo, “em um ato suicida”. Merlino estaria sendo levado ao Rio Grande do Sul para identificar colegas militantes.

Outra versão consta do livro Direito à Memória e à Verdade, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. De acordo com este documento, “na sede do Doi-Codi, Luiz Eduardo foi torturado por cerca de 24 horas ininterruptamente e abandonado numa solitária”.

Após sofrer dores nas pernas, em consequência de uma grave complicação circulatória causada pelas torturas, ele foi levado ao Hospital Geral do Exército, onde morreu.


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