A Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro colocará em prática na madrugada deste domingo (13) o planejamento de instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na favela da Rocinha, em São Conrado, zona sul da capital fluminense. Mais de 150 agentes das polícias Civil, Militar e Federal, além de fuzileiros navais operando blindados da Marinha, vão participar da ocupação.
O domínio do narcotráfico na Rocinha sofreu um duro golpe na madrugada da última quinta-feira (10) com a prisão de Antônio Bonfim Lopes, o Nem, que era o líder do crime organizado na região –e um dos criminosos mais procurados em todo o Rio. A detenção do ex-chefe do tráfico foi resultado das ações da Polícia Militar e da inteligência da Polícia Federal, responsáveis pela fase inicial da instalação da UPP.
A ocupação definitiva da Rocinha deve começar com incursões dos homens do Batalhão de Operações Especiais (Bope) em busca de traficantes que permanecem escondidos na favela. Enquanto isso, policiais militares do Choque e dos batalhões da região ficarão no entorno da comunidade, ocupando os acessos. A comunidade está cercada há alguns dias com o objetivo de evitar a fuga de traficantes durante a operação.
Enquanto o Bope avançar pelas ruas, becos e vielas da Rocinha, agentes das polícias Civil e Federal realizarão ações específicas em busca de traficantes, armas e drogas –coordenadas pelo setor de inteligência da Secretaria de Segurança.
Pelo menos dois helicópteros (o "caveirão aéreo" da PM e o Águia da Polícia Civil) serão utilizados durante os trabalhos. Na quinta-feira (10), a Aeronáutica informou que o espaço aéreo na região será fechado para a circulação de qualquer aeronave entre a madrugada de domingo e a tarde de segunda-feira. A exemplo do cerco ao Complexo do Alemão, na zona norte, no fim do ano passado, a operação na Rocinha contará com o apoio logístico das Forças Armadas.
A Marinha disponibilizará blindados do tipo Clanf (ou "Lagarto Anfíbio"), M-113 e Piranha, todos operados por fuzileiros navais, que podem ser utilizados para remover possíveis barricadas instaladas pelos traficantes, ocupar acessos, auxiliar no controle do tráfego na região, entre outras funcionalidades. Já o Exército não confirmou se participará da ocupação.
Na sexta-feira, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, afirmou que a forças policiais estão preparadas para uma possível resistência."A operação está muito bem planejada para garantir a segurança dos moradores. Posso dizer à população que as polícias estão preparadas para que isso ocorra da melhor forma possível. Em todas as instalações de UPPs anteriores, não foi preciso disparar um só tiro. Esperamos que o mesmo aconteça agora, mas estamos preparados, caso haja resistência", disse.
Área estratégica
A pacificação da Rocinha, que já foi conhecida como a maior favela da América Latina (chegou a ter mais de 200 mil habitantes na década de 80), é tida como um passo fundamental do governo do Estado na área de segurança pública.
Única comunidade da zona sul que ainda não tinha recebido uma UPP, a favela situada no morro Dois Irmãos está localizada entre dois dos bairros mais nobres da capital fluminense: São Conrado e Gávea. Tal região possui um grande potencial turístico, e está na rota de investimentos visando à Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.
A estratégia da Secretaria de Segurança também desarticula uma das facções criminosas atuantes no contexto do narcotráfico fluminense, os Amigos dos Amigos (ADA), que tinha na Rocinha o seu principal reduto e na figura de Antônio Bonfim Lopes, o Nem, o seu grande líder. Os serviços de inteligência das forças policiais do Rio já investigam uma provável fuga dos traficantes para outra comunidade que é dominada pela mesma facção, o morro da Pedreira, em Costa Barros, na zona norte.
A UPP da Rocinha será a 19ª em toda a capital fluminense. O processo de pacificação, que começou pela comunidade do Santa Marta, em Botafogo, há três anos, e foi inspirado no modelo de segurança pública desenvolvido pelo governo de Medellín, na Colômbia –para acabar com os cartéis de drogas–, é um dos principais trunfos políticos do governo estadual.
Preso em porta-malas
O traficante Nem foi preso no início da madrugada de quinta-feira (10) ao tentar fugir da favela da Rocinha dentro do porta-malas de um Corolla preto. Ele foi transferido para o presídio Bangu 1, no complexo penitenciário de Gericinó, na zona oeste. O governo do Estado já está viabilizando a transferência do criminoso para um presídio federal fora do Rio.
Antonio Francisco Bonfim Lopes, conhecido como Nem, ex-funcionário de uma empresa de telecomunicações, entrou no crime organizado sem querer depois de pedir dinheiro emprestado ao então chefe do tráfico da Rocinha, Lulu, para bancar o tratamento hospitalar de uma de suas filhas.
Apontado como chefe do tráfico de drogas na Rocinha, era procurado pela polícia por tráfico, lavagem de dinheiro, homicídios, sequestro e cárcere privado e porte ilegal de arma.
Ele liderava a facção criminosa ADA (Amigos dos Amigos) e possuía característica incomum entre os criminosos mais procurados do Rio: nunca havia sido preso. Segundo a polícia, atuava no crime há dez anos, cinco como chefão das bocas mais rentáveis da cidade. Nem assumiu o controle do tráfico na Rocinha, juntamente com João Rafael da Silva, o Joca, após a morte do traficante Bem-te-vi, em 2005.
Em agosto de 2010, com a ajuda de comparsas muito bem armados e com o treinamento tático, escapou de um confronto com policiais quando saía de um baile no morro do Vidigal, invadindo um hotel de luxo. No episódio, 35 pessoas foram feitas reféns. Atualmente, também era procurado pelo desaparecimento das jovens Luana Rodrigues e Andressa de Oliveira.
De acordo com o líder da operação que resultou na prisão do traficante, o tenente da PM Ronald Cadar, foram apreendidos no carro de Nem 50.500 euros e R$ 59.900. Na operação realizada pelo Batalhão de Choque e pela Polícia Federal na quarta-feira, haviam sido apreendidos R$ 121.899 e 155 euros na Rocinha –os valores só foram divulgados no dia seguinte.
A prisão aconteceu quando o carro em que ele estava foi parado durante operação do Batalhão de Choque, na lagoa Rodrigo de Freitas, próximo ao Clube Naval, na zona sul do Rio. Os policiais desconfiaram de um veículo, inicialmente identificado como pertencente ao consulado do Congo, e informaram ao motorista que o carro seria revistado. O suposto funcionário do consulado, aparentando nervosismo, negou a revista alegando imunidade.
Os agentes, que faziam uma blitz na região e já haviam parado vários carros, disseram que iriam acompanhar o veículo até a sede da PF. No caminho, o motorista do Corolla parou o veículo e ofereceu dinheiro aos PMs em troca da liberação, mas o suborno ficou só na tentativa. A oferta começou com R$ 30 mil e chegou a R$ 1 milhão.
Policias federais foram chamados e, ao abrirem o porta-malas, encontraram Nem. O veículo foi escoltado por terra e também pelo ar, por um helicóptero da polícia, até a sede da Superintendência da Polícia Federal, no Rio, para onde o traficante foi levado. Além de Nem e do motorista, estava no carro também um homem que se identificou como advogado durante a abordagem policial.
Em nota, o consulado da República do Congo negou que o homem que estava no carro tenha qualquer vínculo com a representação diplomática daquele país.
Antes da captura de Nem, foram detidos cinco traficantes que fugiam da favela, assim como três policiais e dois ex-policiais que trabalhavam como seguranças dos criminosos. Na operação, também foram confiscados três fuzis, 11 pistolas, várias granadas, dinheiro e munição.
No dia seguinte, uma operação da Polícia Militar na favela Vila Vintém, zona oeste do Rio, prendeu dez suspeitos de envolvimento com o tráfico, entre os quais, o suspeito de chefiar o esquema de segurança de Nem.
Metade do dinheiro para a polícia
O traficante Nem disse em depoimento na sede da Polícia Federal que metade do que faturava com a venda de drogas era entregue a policiais civis e militares, segundo reportagem do jornal carioca "O Globo". O traficante disse também que a propina tinha como destino final uma série de agentes públicos e que teve lucro zero em determinados períodos por causa da frequência de pagamentos. Segundo estimativas da Polícia Civil, não confirmadas no depoimento, o traficante faturava mais de R$ 100 milhões por ano.
O traficante contou no depoimento que uma parte do seu lucro com a venda de drogas era usado para ajudar moradores da Rocinha, com pagamento de enterros, fornecimento de cestas básicas, compra de remédios e realização de obras. "Quando me pediam, eu comprava tijolos e financiava a construção de casas na comunidade", disse.C
Cabral comentou a reportagem e disse que, se ficar comprovada a informação do traficante, os policiais --chamados por ele de "duplamente marginais"-- devem ser punidos.
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